Gabriela Leite é a fundadora da grife Daspu e da ONG Davida
Foram 26 anos como "mulher da vida". Do amor às noites boêmias, regadas a uma gostosa cervejinha e a muito papo intelectual, Gabriela Leite, 58 anos, acabou entrando de cabeça no submundo de São Paulo. "Virei prostituta porque quis, fui por mim mesma", relembra ela, que tinha 22 anos à época. Os anos nas ruas da capital paulista e do Rio de Janeiro lhe renderam convicção política para criar, em 1992, a ONG Davida. Em seguida, ela ganhou as páginas de jornais como criadora da grife Daspu (uma paródia bem-humorada da paulistana Daslu - templo fashion de luxo da capital de São Paulo) e se afastou da prostituição. "A carreira de prostituta é igual a de jogador de futebol. Chega uma hora que você tem de parar", explica. Os passos da prostituta aposentada - como ela se auto-denomina - podem ser lidos no livro Filha, mãe, avó e puta, que chega às livrarias no dia 10 de abril.
Gabriela, que pautou a vida na luta constante em defesa da profissão da prostituta, é mãe de duas mulheres e mora com o jornalista Flávio Lenz há 16 anos. A relação com as filhas, no entanto, é conturbada e cheia de altos e baixos. "Já fui muito amiga delas, mas as duas levam uma vida diferente da minha. O mundo é cheio de preconceitos, nem sempre é tudo tranqüilo", comenta a militante.
Fora das ruas, a taurina vive em congressos internacionais e tira sua renda de trabalhos como consultora em projetos do governo - todos voltados às prostitutas. "Iremos apresentar um projeto de prevenção à Aids para o Fundo Global, que tem 17 países da América Latina envolvidos", orgulha-se. A voz do Brasil na parceria é a ONG Davida, instituição política que encabeceia a missão de fortalecer a cidadania das prostitutas, além de defender seus direitos e sua defesa.
Em entrevista ao Terra, a também coordenadora da Rede Brasileira de Prostitutas fala sobre sua vida pessoal, seu segundo livro auto-biográfico e sua grande conquista, a carioca Daspu - a grife vende cerca de 800 peças por mês; as camisetas, item mais procurado, podem custar de R$29 a R$44. Leia trechos a seguir.
Terra - Seu primeiro livro, Eu, mulher da Vida, lançado em 1992, já é uma auto-biografia. Por que lançar um segundo exemplar sobre sua vida?
Gabriela Leite - Nunca gostei do meu primeiro livro. Primeiro porque tem apenas um capítulo escrito por mim, e segundo porque a editora nunca se esforçou por ele. Ele está esgotado, por exemplo, mas nunca fizeram uma segunda edição. O livro atual partiu de um convite da editora Objetiva. Mas demorei muito para entregar, o projeto tem uns dois anos.
Como foi escrever sobre sua vida e assumir publicamente, mais uma vez, sua profissão?
Falar sobre minhas histórias é um processo muito dolorido. Quando escrevi sobre meu pai fiquei acabada em seguida, é muito difícil. Eu tinha problemas com minha mãe, e fiz as pazes com ela escrevendo. Passei a entendê-la. Minha mãe é uma mulher muito forte.
Você chegou a iniciar o curso de sociologia na Universidade de São Paulo. Por que, então, virar prostituta?
Fui por mim mesma, porque quis. Eu estava cansada da vida cansativa de São Paulo. Todo dia era ônibus e muito trânsito, demorava horas para chegar em casa e no trabalho. E depois que meus pais se separaram eu passei a ter de ajudar minha mãe. Como sempre gostei da noite, de viver a noite paulistana, estava sempre nos bares, conversando sobre teatro e bebendo com os amigos, acabei optando pela prostituição. Meu começo, na Boca do Lixo, foi difícil, mas acostumei. Eu ainda estava na faculdade, mas não terminei o curso.
A Daspu é hoje uma de suas conquistas de maior visibilidade. Por que começar uma grife de roupas?
A Davida tem dificuldades em conseguir financiamento para os projetos. Já tentamos abrir um bar, mas dava muito trabalho e acabava não sobrando tempo para me dedicar à militância. Então, uma das meninas sugeriu que críassemos uma confeccção. E por que não uma grife? A idéia do nome foi de um amigo, que no dia seguinte já apareceu com a logomarca pronta. Chorei de rir da idéia do nome. A Eliana Tranchesi dona da Daslu, ameaçou nos processar, mas isso nos ajudou muito. Ficamos conhecidas.
A Daspu funciona como uma grife padrão, com coleções rotineiras e sazonais?
No começo fazíamos uma linha de inverno e outra de verão. Mas o inverno é muito chato, é muita forçação de barra fazer uma coleção de inverno num País como nosso. Além do que, é muito complicado para gerenciar desfiles e estilistas, por exemplo. Hoje em dia, temos a linha de verão e, entre as coleções novas, lançamos as camisetas com frases provocativas.
As peças da Daspu são voltadas somente para as prostitutas?
Temos três linhas: a de lazer, a de praia e a "batalha". Na linha lazer temos as camisetas, mas na batalha são peças mais provocantes, voltadas às prostitutas mesmo. As peças são vendidas pelo site e em algumas lojas do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Quem faz a coleção da Daspu?
O Sylvio de Oliveira desenha todas nossas camisetas. Mas todas as peças, das três linhas, são apresentadas às meninas antes de irem à venda. Nossa última coleção, no entanto, foi feita por um grupo de estudantes de Brasília, mas aprovada por todas nós.
Você se define com uma prostituta aposentada. Você voltaria a ser prostituta?
Eu tenho saudades do ambiente da zona, de tomar uma cerveja com os amigos. Mas a prostituição é uma carreira igual a de jogador de futebol. Chega uma hora que você tem de parar, porque não se ganha como no começo.
Filha, mãe, avó e puta - Autora: Gabriela Leite. Editora: Objetiva. 228 páginas. Preço sugerido: R$33,90.
Daspu - a grife vende suas peças principalmente pela internet.
Por Aretha Yarak
Fonte: Portal Terra
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